sábado, 10 de janeiro de 2009

Excertos - O JOGO DO ANJO

“Um escritor nunca esquece a primeira vez em que aceita umas moedas ou um elogio a troco de uma história. Nunca esquece a primeira vez emque sente no sangue o doce veneno da vaidade e acredita que, se conseguir que ninguém descubra a sua falta de talento, o sonho da literatura será capaz de lhe dar um tecto, um prato de comida quente ao fim do dia e aquilo por que mais anseia: ver o seu nome impresso num miserável pedaço de papel que certamente lhe sobreviverá. Um escritor está condenado a recordar esse momento pois nessa altura já está perdido e a sua alma tem preço.”
(p. 11 – primeiro parágrafo do livro. Também está escrito na contracapa)

“- Da próxima vez que quiseres salvar um livro, salvá-lo mesmo, não arrisques a vida. Dizes-me e eu levo-te a um lugar secreto, onde os livros nunca morrem e onde ninguém os pode destruir.
Ohei-os a ambos, intrigado.
- Que lugar é esse?
Sempere piscou-me o olho e brindou-me com aquele sorriso misterioso que parecia roubado a uma série do senhor Alexandre Dumas e que, ao que se dizia, era a marca da familia.
- Tudo a seu tempo, meu amigo. Tudo a seu tempo.”

(p. 50)

- Que posso fazer por si? – perguntei.
- Quero que trabalhe para mim.
- Perdão?
- Quero que escreva para mim.
- É claro. Esquecia-me de que o senhor é editor.
O estranho riu-se. Tinha um riso doce, de menino que nunca partira um prato.
- O melhor de todos. O editor por quem esperou toda a vida. O editor que o tornará imortal.

(p. 97)

- O senhor está com má cara – sentenciou.
- Indigestão – repliquei.
- De quê?
- De realidade.
- Ponha-se na fila – atalhou.

(p. 140)

Subi as escadas e Isabella a seguir-me como um cão fraldiqueiro.
- Costuma demorar sempre tanto tempo a tomar o pequeno-almoço? Não é que me faça diferença, claro, mas, como estive aqui quase três quartos de hora à sua espera, começei a ficar preocupada, pensei cá para mim se não se teria engasgado com alguma coisa, porque com a sorte que eu tenho, da unica vez que conheço um escritor de carne e osso, não seria de estranhar que uma azeitona lhe tivesse entrado no goto, e lá se ia a minha carreira literária por água abaixo – metralhou a rapariga.
(p. 196)

- Isabella, como é possivel que uma rapariga tão jeitosa como tu não tenha pretendentes?
- Quem lhe disse que não os tenho?
- Não há nenhum rapaz de que gostes?
- Os rapazes da minha idade são uns chatos. Não têm nada para dizer e metade deles parecem completamente parvos.
Ia dizer-lhe que não melhoravam com a idade, mas não quis deitar-lhe um balde de àgua fria. “

(p. 253)

Estendeu-me uma tigela fumegante de dimensões exageradas.
- Parece um penico – disse eu.
- Beba e não seja malcriado.
Cheirei o caldo. Parecia apetitoso, mas não lhe quis dar excessivas mostras de docilidade. “

(p. 314)

- Não se atreva a dizer que não a mim – replicou com dureza. – Agora vai entrar nessa banheira e lavar-se com àgua e sabão e fazer a barba. Tem duas opcções: ou o faz o senhor ou faço-o eu. Não pense que eu tenha escrúpulos.
Sorri.
- Bem sei que não.
- Faça o que lhe digo. Enquanto isso eu vou chamar um médico.
Ia a protestar, mas ela levantou a mão, silenciando-me.
- Não diga nem um palavra. Se está convencido de que é a unica pessoa a quem as coisas magoam, está muito enganado. E se não se importa de morrer como um cão, pelo menos tenha a decência de se lembrar de que há quem se preocupe consigo, embora, para dizer a verdade, eu não saiba porquê.
- Isabella...
- Para a àgua. E faça o favor de despir as calças e as cuecas.
- Eu sei tomar banho.
- Ninguém diria.
(p. 428)

- Em poucos minutos tudo está acabado, Martin. Deveria agradecer-mo.
- Acha mesmo que eu matei todas aquelas pessoas, inspector?
Grandes ergueu o revólver e apontou-mo ao coração.
- Não sei nem me interessa.
- Julgava que éramos amigos.
Grandes sorriu e abanou disfarçadamente a cabeça.
- O senhor não tem amigos, Martin.”

(p. 546)

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